terça-feira, 21 de junho de 2011

Estás deprimido? Fica mais.



Gosto do meu país. E, em momentos de maior exaltação patriótica, chego mesmo a achar que somos uma nação de pessoas bem formadas e inteligentes, com ambição e carácter, capazes de grandes feitos. Porém, toda a minha esperança se esvai, quando vejo o "Perdidos na Tribo".

Para dizer a verdade, os programas de entretenimento portugueses já são sempre como a versão Auchan Polegar do seu correspondente estrangeiro: o formato está lá, o sabor e a qualidade é que talvez não. É claro que usar a palavra "qualidade" quando de fala de um reality show pode ser um pouco perigoso. Mas enfim.
A verdade é que, talvez por um instinto simplório e provinciano que me é difícil de controlar, certos programas, quando vistos em canais internacionais, nem me parecem assim taus maus. Os interpretes do Biggest Loser, por exemplo, eram, na minha perspectiva, uns simpáticos gordinhos americanos que suavam arduamente para caberem nas suas roupas preferidas e, com muito esforço e afinco, lá conseguiam emagrecer. Sentia alguma simpatia para com eles. Eram pessoas sofridas e combativas. Ao ver o Peso Pesado, o correspondente em português, porém, o meu estômago vira-se do avesso, como quem é compelido a engolir, sem respirar, cinco garrafões de Tide Máquina. É que os vários bandos de idiotas (perdão, concorrentes) pareciam muito mais fixes quando falavam "estrangeiro".

Não sei se Perdidos na Tribo também é um formato estrangeiro. Mas suponho que sim. Faz parte daquela onda moderna de programas da vida real em que os participantes têm de "fazer qualquer coisa".
É que finalmente, ao fim de dez anos do que adivinho ter sido um aguerrido debate intelectual, os directores de programas de canais generalistas perceberam que para atrair a curiosidade dos telespectadores talvez fosse preciso ir um pouco mais além do que estava a acontecer. Não bastava, por incrível que pudesse parecer, colocar uma dúzia de inúteis (perdão, concorrentes) numa casa a olhar uns para os outros e a babarem-se, soltando ocasionalmente sons guturais. Era preciso que acontecessem também coisas.
Mas que coisas? É que se, por um lado, há que entreter o comum telespectador; por outro, torna-se imperativo não confundi-lo, com informações demasiado complexas, e que os obriguem a formular aqueles factos altamente perigosos a que chamamos "pensamentos".

Quero acreditar que cada desgraça atinge o seu fim num determinado momento catártico e, como tal, os reality shows estão neste momento em pleno estado terminal de apoteóse no que diz respeito às tentativas desesperadas para captar a atenção dos telespectadores. Já não basta estarem numa quinta, ou mesmo terem um segredo; agora, o desespero é tal que chegou o momento de irem importunar os pobres nativos de países em vias de desenvolvimento, com as mesmas tarefas absurdas e aborrecidas de sempre. É incrível, mas tem de ser um sinal: nem quando são filmados do outro lado do mundo , estes programas têm interesse. Será que isso não quererá dizer qualquer coisa? Teimo em acreditar que sim.

domingo, 12 de junho de 2011

A nova era

Chegando ao nono ano, e vendo que os pais não lhe podiam dar a possibilidade de prosseguir os estudos, Sofia entrou como empregada numa cadeia de fast-food. Trabalhava as 40 horas semanais, 50, às vezes, para ganhar 500 euros.
Aos 17, e embora estivesse a tomar a pílula contraceptiva, uma gravidez inesperada e um futuro filho que não podia sustentar obrigou-a a fazer um aborto numa clínica ilegal, graças ao qual uma complicação lhe tirou para sempre a possibilidade de engravidar.
Percebeu que a sua carreira só progrediria se adquirisse mais educação. Mas a restauração, como se sabe, quase não permite horários "normais". Aos 30, e com um pouco mais de tempo, resolveu começar a completar uma formação profissional. Hoje, é gerente de loja, e recebe finalmente os tão almejados 700 euros.

Sofia é, para uns, apenas uma caricatura. Mas cruzo-me todos os dias com ela na rua. Pode não ser tão trabalhadora, ou perseverante. Pode ter sido uma aluna mediana. Pode até ter sido medíocre. Mas se como eu, e outros tantos conhecidos, tivesse nascido num meio economico-social favorável, poderia ser CEO de uma empresa, e ganhar meio milhão de euros por ano. Podia, não estou a dizer que o fizesse. Podia, mas não poderá. Podia ainda , apesar disso, estar a fugir aos impostos, e ainda a pressionar governos para ser ainda menos tributada nas suas actividades, e distribuir prémios milionários sem razão aparente. Podia estar a dizer que tudo o que tinha fora conseguido através do mérito. Mas, provavelmente (salvo honrosas excepções) não seria só mérito, mas também o facto de ter nascido no lugar certo à hora certa.

O dinheiro está cá, Portugal é um dos países da Europa onde é mais fácil fazer (muito) dinheiro. É também fácil esbanjá-lo, em obras públicas que só aproveitam a quem as constrói. Só não está nos lugares certos.
Com este novo governo, mais do que nunca, cada um vai "ganhar o que merece", ou seja, segundo a lógica neo-liberal (mascara atrás da qual se esconde muitas vezes o maior conservadorismo), consoante a procura no mercado para o serviço que presta, sem regras nem limites. É muito fácil fazer dinheiro, só é preciso é ter bastante para começar.

As pessoas qualificadas ganham mais do que as outras, e ainda bem. Há que estimular a economia nesse sentido. Apenas defendo limites para esses ganhos, uma tributação justa e proporcional, que permita um amparo mínimo a quem mais precisa para sobreviver. Não é nada de novo, apenas o é neste pais.
Tanto eu, como muitos ex-colegas de curso, nunca teríamos conseguido pagar os estudos se não fosse a ajuda dos nossos pais, ou seja, se não tivéssemos nascido numa estrutura económica suficientemente sustentada, que nos permitiu acesso a uma carreira mais remunerada. Noutros países teríamos acesso privilegiado à saúde, ajudas na educação e na renda da casa; mas cá não. Se não fossem os pais desses meus colegas, metade deles estaria a lavar pratos na pizza hut. Mas hoje escolheram virar as costas e fechar os olhos, num negacionismo egoísta que só se entende como sendo uma cegueira social absoluta, própria de país em que o tão ultrapassado conceito de "classes" ainda existe. Só se entende porque, para eles, Sofia é apenas um número, e não uma pessoa real.
Para muita gente, se Sofia for despedida e não conseguir outro emprego tão cedo, é só mais uma "preguiçosa" que "apenas não quer trabalhar". Se estiver dois anos numa lista de espera de um hospital público será por culpa própria, porque “quer chular o sistema”. O seu diploma, como o disse o novo Primeiro Ministro, é um “certificado de ignorância”. O azar de ser mulher numa sociedade ainda um pouco machista e de não poder sustentar um filho é um “crime contra a vida” (como defende o futuro ministro Paulo Portas).
A precariedade de Sofia, e o facto de não ter estudado, vai impedi-la de contribuir em toda a sua capacidade para o crescimento económico do país. Sim, o corte nos ditos “chupistas” e “inúteis da sociedade” só os vai tornar mais dependentes. Não é preciso ir muito longe, veja-se o exemplo da Grécia.

Liberalizar pode ser positivo quando é feito com moderação, em certas áreas, pois leva a uma evolução qualitativa, própria da concorrência saudável. Selvaticamente, porém, apenas contribuirá para uma sociedade mais desigual, com (ainda) menos igualdade de oportunidades. Estará tudo bem para quem tem sorte, mas quem não tem, tivesse. Bem vindos ao país mais africano da Europa.