Sendo aquilo a que se pode chamar, correndo o risco de cair
no cliché, uma “amante da literatura”, desde sempre me confrontei com uma
prática muito comum ao nosso povo, no que trata ao assunto dos grandes autores
portugueses. É aquela mania (chamo-lhe mania, porque realmente não encontro
palavra melhor) de dizer compulsivamente mal de dois, que, acaso ou não, contam
entre os maiores nomes da literatura mundial contemporânea.
E são sempre os mesmos, esses dois.
Pior é quando, ao questionar em espanto o porquê, nos damos
conta das razões, que frequentemente são:
- “É arrogante” (Acho este argumento realmente válido,
porque todos sabemos até que ponto a qualidade literária de um texto está
directamente dependente das apetências sociais do seu autor, aliás, Eça de
Queiroz ficou conhecido para a História pela sua extraordinária capacidade de
contar anedotas em bailes.)
- “Tornou-se muito comercial” (Cuidado, quando começarem a
vender, isso quer dizer automaticamente que deixaram de escrever bem, ainda não
foi explicado cientificamente mas é um fenómeno que muita gente conhece.)
- “Diz mal de Portugal” (Porque são perigosas e devem ser
silenciadas, essas vozes subversivas anti-regime.)
- “Diz mal de Deus” (Enfim.)
- “Não se percebe nada” (Porque se eu não percebo o que está
escrito, isso não tem nada a ver com uma falha nas minhas capacidades, é o
texto que é uma porcaria. É o mesmo com os electrodomésticos: se não funcionam,
é porque estão mal feitos e não porque eu não me dei ao trabalho de tentar
perceber o manual de instruções.)
É um assunto irritante, mas, para a maioria, bastante
aturável, penso eu.
No entanto, desde que comecei a dar cursos de escrita criativa,
que o confronto com este problema se acentuou. “Merda, não posso dar este
exemplo porque há muitas pessoas que não gostam do Saramago” – é um pensamento
que, infelizmente, me é recorrente. Mas que ignoro. E dou o exemplo à mesma,
porque a boa literatura é boa e temos todos de viver com isso.
Atenção, não que eu ache que toda a gente que gosta de
livros tenha de ter estes dois autores na sua estante. Há que fazer a
distinção. Que se ache um estilo ultrapassado, que se diga que um dado autor
produziu mais do mesmo ou estendeu uma fórmula repetida em várias obras, são
exemplos de argumentos literários. Argumentos literários, quando bem
fundamentados, para contestar a qualidade de um autor, parecem-me válidos.
Argumentos pessoais, sobretudo quando provêm de fenómenos de
manada, não.