terça-feira, 31 de dezembro de 2013

A Casa com Alpendre de Vidro Cego

Editora Arkheion - 2013

Cheguei a Herbjorg Wassmo porque foi um presente que me deram no Natal e que desapareceu num dia. Talvez seja de mim, mas a história pareceu-me bem actual, embora se passe na altura da Segunda Guerra Mundial. Estamos numa pequena ilha norueguesa e a personagem é Tora, filha bastarda de um soldado alemão morto depois de ter tentado fugir com a mãe. Agora, vive com a mesma e com um padrasto alcoólico e violento.
     O interesse prende-se primeiro pelo ambiente, que me é completamente desconhecido e novo, ao ritmo narrativo, bastante dinâmico, para chegar à paisagem emocional, que é extremamente bem caracterizada, desde a infância da miúda até à adolescência (a saga vai continuar, por mais dois livros, que pessoalmente anseio por ler). Talvez a autora abuse um bocadinho das figuras de estilo, sobretudo na primeira parte; e esse é, basicamente, o único defeito que salta à vista na minha opinião.
            Mas o grande poder do livro prende-se, sem dúvida, pela caracterização das personagens femininas. Não do modo que seria tipicamente de esperar – a nível da vitimização excessiva, por exemplo, ou do louvar da sensibilidade feminina, tão típico de alguns autores homens – mas na criação de novos seres, quase masculinos, ou melhor, andrógenos, cujo poder está tanto na força física, como psicológica e que remete as personagens principais para uma unificadora condição animal. As mulheres são-no, no sentido biológico, mas na sua caracterização consistem sobretudo numa coisa muito mais ampla: são humanos. Humanos contra as forças da natureza, contra a miséria e a tentar lutar pelaa compaixão e pela união.
            Por isso mesmo, por vezes, os homens acabam por parecer um pouco aquilo que me ocorre unicamente chamar de caras de cu (alcoólicos, mexeriqueiros, facilmente deprimíveis, etc), o que pode dar a impressão de que a autora puxa demasiado a brasa à sua sardinha. No entanto, tal parece necessário, no sentido de estabelecer a visão da personagem e o seu universo.

            Recomendo, sobretudo porque é um livro que dá força. Sem pretenciosismos estilísticos, apresenta-nos a vida bruta e fria, mas com tanta simplicidade, que qualquer conflito, por mais duro, parece resolúvel.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Ponho mais parmesão?


Hoje, estava a fazer a minha bolonhesa e a pensar na Erica Fontes.
O que é que estas duas coisas têm a ver? Tudo. Absolutamente tudo.

Bem, agora que esclarecemos isto, penso que podemos ir ao que interessa, que é o facto de eu achar óptimo que a tão conhecida actriz pornográfica Erica Fontes tenha escrito um livro. Acho mesmo o máximo. Pois, por muito que alguns se possam chocar, na minha opinião, a má literatura é necessária e não interfere de modo algum com a literatura a sério.
Quem se afina com isso são, geralmente, pseudo-intelectuais com algo a temer.

Se, por outro lado, eu estiver cem por cento segura da qualidade daquilo que produzo, estou-me perfeitamente marimbando para o facto de a pessoa ao meu lado no escaparate estar ou não estar a mostrar o cu. Se o meu vendesse, eu também o mostrava. Ou não. Porque nunca vou saber. O que me leva a uma questão que me parece importante referir e que a maioria esquece: estamos a falar de mercados diferentes.
Se eu escrevo, por exemplo, poesia, não posso ser minimamente comparada a uma pessoa que escreve sobre cus. E atrevo-me até a dizer que é necessário que alguém o faça.
Toda a gente aprecia um bom cu. Há também quem aprecie uma boa história de merda, sobre uma moça nova que gosta de ser espancada. Depois, há quem goste de cozinha. É a vida.
Sim, o mundo está todo mal e obviamente, devia haver mais espaço e publicidade para a boa literatura. Mas infelizmente, não há. E não há porque nós não queremos. Assim é a humanidade. O que é que vamos fazer, embirrar e suicidar-nos, ou estarmo-nos nas tintas?
Sempre houve gente com hobbies péssimos. Dantes havia uns que, por exemplo, gostavam de ver mulheres a serem queimadas. Ou pessoas à porrada com leões. Hoje, há quem goste de literatura light. A diferença? Ao menos os que estão a ler estão a aprender a diferença entre “fizeste” e “fizes-te”.

E ainda há a enorme vantagem do dito cu poder estar a atrair a atenção para o meu livro, no qual se calhar tanta gente não repararia.

Embirrar com a literatura light é embirrar com o óbvio e é, a meu ver, para aqueles que têm medo de serem confundidos com a mesma.

Isto para dizer que não estou a ver ninguém a ir ao Colombo de repente sofrer um grande dilema entre levar Os Irmãos Karamazov ou o Sei Lá, da Rebelo Pinto. Por outro lado, quase de certeza que alguém poderá deixar o último para começar a comprar uma bimby a prestações. Estão a ver onde quero chegar?
Quem compra maus livros, muito provavelmente não iria comprar os bons. Quem compra os bons, não vai de repente mudar para a Erica Fontes. A menos que a minha concepção do mundo seja muito ingénua (e assim quero que continue a ser). E ainda tem a vantagem de permitir que as editoras façam dinheiro, que provavelmente não teriam se tivessem só de sobreviver dos bons livros.

E agora, com licença, que tenho a bolonhesa ao lume. Ou a Erica Fontes, já não sei bem.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Pássaros

Fazendo um bocadinho a contraposição com o post anterior:

No pátio em frente à minha casa, hoje de manhã, ouvi um estremecimento. Estava ainda sonolenta, pelo que me pus, sentada, a imaginar o que seria: alguém que acendera uma fogueira? O vento a bater, com força, numa embalagem de plástico? Fui espreitar: não, era um corvo (ou qualquer outro desse género) que alguém tinha decidido enjaular e que estava desesperadamente a tentar libertar-se.
Uau, que imagem tão poética. E que bom deve ser acordar todos os dias e ver um animal em sofrimento, daquela maneira, no nosso jardim.

Admira-me como é que é possível, ainda em pleno século XXI, haver pessoas cuja noção estética ainda não evoluiu ao ponto de lhes fazer uma certa impressão ter um animal, cuja função supostamente é sobrevoar as paisagens livremente, num cativeiro em que mal cabe todo o seu corpo. Acho que a resposta só podem estar nos egos descomunais de certos seres humanos. Ou no até que ponto se estende a capacidade de apenas nos interessarmos por aquilo que nos diz directamente respeito.
Como já disse anteriormente, não acho de maneira nenhuma que os animais devam ser comparados a pessoas. Mas ainda há uma distância que cobre isso e o verdadeiro sadismo. Ligando um pouco as coisas, gostava de saber como é que os obcecados do Facebook pelas defesas dos gatos e dos cães se estão depois nas tintas para os pássaros. Sinceramente, não vejo qual a diferença entre isto e por exemplo, as lutas de cães. Onde estão todos os apelos para salvar os pássaros enjaulados por aí? Vá, sejam coerentes, afinal, não há animais melhores do que outros. Ou será que, por serem menos inteligentes e fofinhos e se estarem nas tintas para vocês, os pássaros merecem menos a vossa atenção, hum? Onde está, de facto, o critério? Será ele o de: fofinho (merece direitos) / não fofinho (não merece direitos)?
Arrisco-me até a dizer que alguns dos acérrimos defensores dos animais domésticos não terão qualquer problema em levar os putos ao jardim zoológico, lugar em que, segundo me lembro, se pode assistir a por exemplo um miserável elefante a receber uma moedinha ou qualquer coisa do género, que o faz tocar depois um sino (claro que isto tudo devido ao seu maravilhoso instinto de tocas sinos e não por causa dos inúmeros enxertos que levaria se não o fizesse). Mas os elefantes são assim para o feios e não podem viver na nossa casa. Mais uma vez, a exclusiva preocupação com aquilo que nos diz directamente respeito.

Salvem os animais! Os cães, os gatos, mas também os pássaros, os hipopótamos e os macacos! E já agora, salvem-me também a mim.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Gatos

“Este vídeo mostra como os gatos têm muito mais sentimentos do que alguns Homens”, “Quanto mais conheço os Homens, mais curto os animais!”, “Olhem e aprendam: a lição dada pela valentia deste cão... e depois ainda dizem que os animais não têm sentimentos!”.
Estar-se preocupada com a humanidade pode ser, regra geral, um sinal de arrogância. No entanto, ao ver vídeos e fotografias de gatinhos fofinhos no Facebook, acompanhados com comentários destes, não posso impedir um sentimento desse género.
Se esta rede social trouxe algo de útil, quanto a mim, foi uma advertência contra o facto de aquilo que se passa na cabeça das pessoas poder ser ou mortalmente aborrecido, ou extremamente preocupante. Os comentários dos animais, na maior parte das vezes, parecem-me caber numa das duas categorias.

É claro que gosto de animais. Acho que são giros, merecem direitos e a nossa atenção. Mas eis tudo. Não os acho melhores do que as pessoas e sobretudo não acho que mereçam o mesmo estatuto. Não quero que durmam na minha cama, nem acho interessante vesti-los com roupas humanas, nem acho que tenham sentimentos mais “puros” do que nós.
Porquê? Euh... porque eles não são humanos, e fingir que são parece-me apenas uma fantasia um pouco psicótica por parte daqueles que, ao não se darem bem com as pessoas, decidem inventar um novo estatuto: uma espécie de homem-cão-gato-doméstico, que não fala, obedece a todas as nossas ordens e ainda é o nosso melhor amigo para sempre da vida inteira até morrer. A noticia triste? Esse homem-cão-gato-doméstico não existe.

Não sabia que havia tanta gente decepcionada com o mundo, mas no fundo faz bastante sentido: há as guerras, os desgostos amorosos, os amigos que nos traem. Depois, para solucionar isso tudo, há os animais de estimação: não falam, são fofinhos e são sempre fieis, quanto mais não seja porque perceberam que somos nós que lhes damos a comida (a sério, lamento a brutal honestidade, mas, do ponto de vista da biologia evolutiva, é de facto a principal razão).
Mais uma vez, eu gosto de animais, a sério, e também os acho bons e inteligentes. Mas dentro de uma lógica normal, acho eu e não psicótica.
Para aquilo que importa explicar, a única diferença entre nós e os animais domésticos é que estes não possuem um cérebro tão desenvolvido quanto o nosso. Se o fizessem, com certeza já nos teriam mandado à merda, traído a nossa amizade ou endrominado nos negócios. Mas como isso ainda não acontece, alguns de nós continuam alegremente a achar que, por serem menos evoluídos, os animais são “superiores” aos Homens. O que, a meu ver, indicia uma certa inclinação sociopata.


Não sei o que virá a seguir. Interpelações para casarmos com gatos em vez de pessoas? Chegaremos a ir para a cama com os nossos gatos?
Na luta pela aceitação social e amorosa, a animalização não me parece ser a solução. Pessoas, resolvam os vossos problemas, umas com as outras, de preferência e deixem os animaizinhos fora do barulho. Pode ser ambicioso, mas é a minha sugestão.